quinta-feira, 28 de abril de 2016

Entrevista para o Jornal Em Foco, na íntegra.

ALDO MAES DOS ANJOS
“A ideia da revista me acompanha desde a infância”




O desenhista Aldo – nascido Aldo Maes dos Anjos em Curitiba, Paraná, em 10 de novembro de 1974, é um dos nomes mais conhecidos das histórias em quadrinhos de Santa Catarina. Desde a publicação do primeiro número da revista “Cartum”, seus personagens encantam leitores e trazem para dentro de suas páginas humor, informação e a própria história de Brusque e região. O artista que despertou para as histórias em quadrinhos aos 3 anos de idade, mora em Brusque, é casado com Vanessa Hames dos Anjos, e tem dois filhos: Alice Hames dos Anjos e Igor Hames dos Anjos.


Há na tua família outros artistas do traço?
Tem com certeza ótimos desenhistas, inclusive um grande arquiteto, irmão do meu pai. Mas outro cartunista, eu não tenho notícia.

Quando começou teu interesse pelos quadrinhos e o que te levou a acreditar que esta poderia vir a se tornar a tua profissão?
Começou a partir dos 3 anos de idade, com a minha mãe lendo quadrinhos para mim diariamente, me proporcionando uma alfabetização precoce. Durante a infância, minha coleção de quadrinhos era imensa e, já aos 7 anos eu produzia minhas próprias revistas, com 30 páginas em média, personagens próprios e roteiros originais. Os desenhos eram toscos como os de qualquer criança nessa idade, mas foram se aprimorando com a frequência da prática. Eu sempre tive a certeza que um dia iria lançar uma revista autoral de quadrinhos.

Teus quadrinhos têm personagens próprios e bem definidos. De onde vem a inspiração para criá-los?
As características pessoais de cada um deles são uma caricatura dos estereótipos humanos que convivem entre nós e são facilmente identificáveis: o Dagoberto é o dependente de internet, Bráulio é o pessimista, Gertrudes é a obcecada por limpeza, Jaime é um cara muito esquecido, Pafúncio é um típico malandro sem muita vontade de trabalhar...

Quando um personagem é criado por ti, ele tem um perfil biográfico definido, a exemplo do que fazem os autores de textos para teatro, roteiros para cinema e TV e romances, ou este perfil vai sendo moldado de acordo com a tua produção para tal personagem?
Alguns já nascem "predestinados", como o Esponja, que veio para assumir o papel do alcoólatra que vive pagando micos, ou o Bagatela que é a imagem do muquirana extremamente zeloso com as suas economias. Outros, nascem neutros e acabam se familiarizando com determinadas situações, como a Marinalva, que virou a fofoqueira ou o Alfredo que se tornou o fanático por futebol, devido a situações contidas nas histórias.
O objetivo de cada um destes personagens, com suas atitudes devidamente ridicularizadas e expostas de maneira infame, é fazer com que o leitor passe a refletir se ele mesmo não comete os mesmos erros e, quem sabe até, se corrigir, para não se tornar um Pafúncio, um Esponja ou outro destes anti-heróis.

A ideia de produzir a revista "Cartum" surgiu quando?
            A ideia da revista me acompanha desde a infância. O lançamento estava engavetado desde os anos 1990, mas eu ainda não considerava que os desenhos estivessem bons o suficiente e ficava sempre protelando o lançamento para o ano seguinte.

Como foi produzir seu primeiro número? Quem te ajudou na formatação ou foi tudo criação própria?
A primeira edição da revista “Cartum” começou a ser produzida imediatamente após a grande notícia de que a minha esposa estava grávida do meu filho Igor, no ano 2000: coloquei no papel vários roteiros originais que estavam encalhados das tentativas anteriores de montar uma revista. Por questões de ordem financeira, resolvi assumir três empregos simultâneos: durante o dia eu instalava alarmes residenciais, à noite trabalhava de garçom e nos finais de semana fazia as histórias em quadrinhos para as quatro primeiras edições, que eram trimestrais.

Como foi a reação dos primeiros patrocinadores que receberam tua visita em busca de apoio para publicar a revista "Cartum"?
Eu sabia que não seria nada fácil, pois eu era desconhecido e sou um péssimo vendedor, envergonhado e nada convincente. A reação natural do patrocinador é recusar a princípio, e aguardar para ver se a ideia vai mesmo pra frente. Alguns só foram me receber depois de cinco anos tentando agendar uma visita, outros nem me receberam ainda. Mas, para minha surpresa, dentro dos 15 dias que peguei de férias na empresa na qual trabalhava, consegui realizar a venda de 47 espaços publicitários necessários para a realização do intento. A maioria de anunciantes era de empresas que eu vinha tendo contatos profissionais desde 1996, nos meus três empregos anteriores, e até antes disso, que já me conheciam e confiavam em mim.

Tua família também contribui com a criação dos teus personagens e situações que eles vivem?
Com certeza, todos são uma grande fonte de inspiração. Minha esposa participa da revista diariamente, envolvida, com contatos telefônicos, agendamentos, entregas de revistas e correrias em geral. Meu filho Igor está atualmente envolvido com a coloração e diagramação da revista.

A produção de uma revista ou de uma série de revistas em quadrinhos demanda mão de obra especializada. Com quem pudesses ou ainda podes contar, neste processo de criação?
 A criação dos quadrinhos é toda feita por mim mesmo, exceto as Piadas Clássicas e algumas tiras que são releituras de piadas populares. Quem me auxilia são os historiadores Marlus Niebuhr e Carlos Eduardo Michel, com pesquisas que são utilizadas nas páginas da revista Brusque Ontem. Com certeza recorro também aos valiosos livros do Saulo Adami.

Além da revista "Cartum" convencional, foram produzidas várias outras publicações. Quais?
“Cartilha Cartum”: foram produzidas mais de 40 edições diferentes, com tiragem média de 3500 exemplares, cada uma abordando algum tema técnico: saúde, trânsito, meio ambiente... Simplificado em linguagem popular, facilitando ao público leigo a assimilação dessas informações! A primeira cartilha foi feita em parceria com o CEAB, explicando as leis do "Estatuto da Cidade". Atualmente está sendo desenvolvida uma cartilha em parceria com o Observatório Social de Brusque, com o tema "Educação Fiscal", explicando sobre os impostos, como e para que são recolhidos, com o objetivo de que esta e as próximas gerações tenham noções de como são aplicados os tributos que ela paga.
“Brusque Ontem”, com tiragem média de 4.700 exemplares, distribuídos para estudantes do ensino fundamental e parceiros da revista “Cartum”. Junto com a “Revista do Sesquicentenário” e as duas revistas “Gaspar Ontem”, totalizam 20 edições lançadas falando sobre a história local, permitindo que as gerações atuais e futuras possam conhecer e assim respeitar o passado local. Já foram abordados mais de 200 episódios sobre a história de Brusque e 20 sobre a história de Gaspar.
            “Revista Leitor Vip”: exclusiva para os assinantes da “Cartum”, possui uma tiragem média de 250 exemplares e é entregue junto com a revista “Cartum” daquele mês, como uma leitura adicional e exclusiva para os assinantes. Já está na 34ª edição.
“Revista Vamos Brincar”: com atividades lúdicas e didáticas para a faixa etária de 3 a 6 anos. Está na sua primeira edição.
Também foram lançadas outras edições especiais, catálogos (sobre gastronomia e automóveis) publicados entre 2003 e 2009, cadernos de ofertas publicados entre 2004 e 2006, teve 10 edições da revista Quadrinhos de Brusque (divulgando o comércio local para os clientes do vestuário atacadista) entre 2006 e 2010, além de outros títulos.



O que esta produção representa para o artista Aldo?
Os números são expressivos e para mim representam uma gratidão eterna a todos que aceitaram realizar parcerias com este trabalho sério e honesto ao longo dos últimos 15 anos, deixando clara a sua aprovação do que estava/está sendo feito e possibilitando a sua própria existência.

Fizeste algumas incursões pela história de Brusque e região através dos quadrinhos. Como foi esta experiência? Há outros projetos sendo preparados nesta linha?
Para mim é um grande prazer conciliar nas minhas publicações a diversão, o riso e a alegria das piadinhas – puras e com boas intenções, sem deixarem de ser interessantes – com a transmissão de novos conhecimentos aos leitores, neste caso, os principais tópicos da história municipal, além de micro biografias dos cidadãos mais célebres, para que todos que acompanham a revista possam conhecer quem foram e que importância tiveram todos estes nomes que se encontram nas placas das ruas e das praças. Havendo interesse dos patrocinadores, estou sempre preparado para dar continuidade a este fantástico projeto didático.

Há escritor que escreve todos os dias, há pintor que pinta todos os dias... Mas, e o Aldo, também produz todos os dias? Como é a tua rotina, se é que existe uma na tua vida de autor / criador / editor, quando o assunto é produção de quadrinhos?
Não pode passar nem um dia em branco: todos os dias tem que escrever um pouquinho, desenhar um pouquinho e fazer um pouco de contatos comerciais, não necessariamente nessa ordem, concentrando-se em algum deles de acordo com a demanda do momento. É como se essas três atividades fossem bolas, e eu um malabarista de circo.

O que tens a dizer a um(a) artista principiante na tua área de atuação que esteja lendo esta entrevista? Valem os esforços? Vale o sonho?
Não sou nenhum exemplo de sucesso, pois ainda estou longe de obter a minha tão sonhada "independência financeira", devido a minha maneira de trabalhar, com ética e honestidade. Mas, ano após ano, vou me virando e seguindo em frente. Porque a verdade é que não tem como fugir: quando se gosta realmente de uma atividade a gente acaba insistindo naquilo. E para quem quer seguir carreira artística, a minha sugestão é que se envolva profundamente e o quanto antes com tal atividade, fazendo cursos, lendo a respeito e, principalmente, praticando muito. Nenhuma medalha olímpica é obtida sem que se derrame alguns litros de suor antes. Mas, que nunca deixe os estudos, que são a principal ferramenta da qual dispomos para viabilizar a nossa arte profissionalmente.

Do universo das histórias em quadrinhos, quais os artistas que mais te agradam ou que eventualmente tenham te inspirado nas tuas produções?

Na infância, eu tive uma numerosa coleção, contendo principalmente “Turma da Mônica” e Disney, entre outros. Na adolescência, acompanhava os lançamentos da tríade Angeli/Laerte/Glauco e apreciava os autores franceses Janu e Frank Margerin, os quais acredito que tenham exercido a maior influência no meu estilo. Mas não sou adepto de heróis, nem de quadrinhos violentos ou pervertidos. Sou contra o uso de palavrões, pois acredito que cada pequeno ato da nossa parte, mesmo que involuntário, gera um reflexo em todo o ambiente e nas pessoas que estão ao nosso redor. Então, que esse reflexo seja o mais positivo, útil e agradável possível. Não custa tentar!

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